Dos sentimentos desabrigados


Hoje, já não tenho mais o azul exuberante dos teus olhos a guiar os meus, tochas acesas na escuridão que eram meus dias. O teu sorriso tão doce e tão decidido já não dança mais nos teus lábios pálidos. Eu sinto falta da tua voz também, das nossas rotinas bobas, dos nossos sentimentos escondidos e dos nossos pudores absurdos, partilhados sem palavras.
Desde aquele dia cinza não tem nada que eu deseje mais do que não sentir. Não sentir essa presença latente de algo que não está mais lá, membro amputado que vive a me enganar.  Não sentir mais o desespero que me toma sempre que me dou conta do quão definitiva é a morte, prisão perpétua  a enclausurar meus sorrisos.
Não foi só o perfume que a tua amiga usava, e que antes eu e tu adorávamos que aboli da minha vida aquela noite. Abandonei tantas coisas... Nossos planos foram relutantemente deixados para trás; meus sonhos tolos de menina atirei todos na face daquele por quem tu tanto clamou.
Tenho quisto perder. Tenho acalentado minhas dores. Meus amores andam perdidos por aí, sem pátria, exilados de ti. Os portões de minha alma foram selados para sempre de certos sentimentos que não me julgo mais merecedora de sentir, não se tu também não os pode vivenciar.
Fui privada de ti e me privei dos meus. Não suporto mais ver a esperança do que acreditam  que me tornarei nos olhos dos que me conhecem. Não me tornarei nada, não entendem? Tornarei-me matéria seca e sem vida, como todos. Não quero viver, quero que passem os dias, quero que voem as horas, quero que o tempo se baste de mim e me dê descanso. 
Afinal, se for necessário sentir tudo isso para que tua memória não se esvaia, pelo tempo que o ar insistir em vir corpo adentro, sentirei com prazer tudo que me foi imposto sentir pela tua ausência.

“Laissez, laissez mon coeur s'enivrer d'un mensonge,
Plonger dans vos beaux yeux comme dans un beau songe,
Et sommeiller longtemps à l'ombre de vos cils!”
(Baudelaire)

Roza Larissa