E nós não podemos agarrar o amor, então nós agarramos as pessoas onde um
dia ele pousou ou onde o nosso equivocado coração acha que ele vai pousar.
E quem ouviu falar da capacidade do amor em nos pregar peças? Arranjando
morada nos lugares mais esquisitos, nas pessoas que menos esperamos.
Às vezes ele pousa numa palavra proferida em um determinado tom de voz,
num olhar mudo e que dizia tanto, num toque inesperado... Mas só pra levantar
voo em seguida e nós ficamos feito Pierrot a coçar a cabeça e lágrima pendurada
no olho a pensar: “mas ele estava ali agorinha mesmo...”.
O meu amor e eu vivemos um eterno jogo de esconde-esconde. Eu já disse
pra ele que cresci e que essa brincadeira nem tem graça, mas ele não me dá
atenção, ocupado demais voando por ai.
A Saudade, chorosa diz que faz tempo não o vê por aqui. A Esperança nem
me escuta, ansiosa demais a esperar na esquina, a Sra. Raiva mente orgulhosa,
dizendo que nem sabe quem é esse tal de Amor e nem quer saber. E tem uma tal
Paixão que vive brincando comigo, usando as vestes do Amor e querendo se passar
por ele.
Acabei de encontrar uma velhinha sisuda chamada Sapiência que, com um
dedo magro apontando pro meu nariz, disse que estou procurando fora uma coisa
que tem que estar dentro. Eu não entendi muito bem, mas ela prometeu voltar em
alguns anos pra me explicar.
Os dias passam, as horas gotejam dos relógios e quando eu estou distraída
consolando D. Mágoa que teima em me visitar contra todos os meus desejos, eis
que vislumbro o Amor ameaçando pousar em determinada pedra, longe, longe e eu
não quero me enganar, correndo atrás dele para chegar lá e ser só outro
sentimento espertinho querendo brincar comigo.
Então o deixo ali e vou seguindo meu caminho, deixando um rastro de pedacinhos, mas não é de pão, porque amor não come pão, amor se alimenta de carinho.
E o rastro onde vai acabar?
Onde mais seria?
Ele acaba onde aquela velhinha me disse um dia, ele acaba dentro de mim.