dying day


Cansei. Cansei de enganar a mim e aos outros. Cansei de esperar, de tolerar comportamentos medonhos. Cansei de namoros, de famílias, de cachorros, de cidades, de companhias.
Cansei de procurar em vão e de me contentar com restos.  
Sou um ser fadado ao cansaço. 
Não quero mais fazer parte de toda essa sujeira. Já disse, não quero!É perda de tempo. 
Quero fazer aquilo que gosto e que me dá prazer, e uma ou outra obrigação, porque assim não seria vida.
Mas saiam do meu caminho! Tirem daqui suas regras, não faço parte disso! 
Não sou daqui. Por um mero acaso vim nascer neste planeta. 
Planejo partir muito em breve e confio na memória fraca dos que estão por aqui: serei esquecida em breve. 
Não deixarei obra alguma para se deleitarem, nem inspirarei multidões.  
Não quero a responsabilidade de ser célebre. 
Estou cansada, já disse. 
Cansada dos meus próprios sonhos, das minhas tolas esperanças sonhadas em fins de tarde no meio de multidões sem rosto. Cansada de ter vivido tanto, sem ter vivido nada. Cansada de procurar em vão e ver que nada faz sentido, tudo é absurdo e alheio. 

Cansaço que atravessa ossos e músculos e carne e pele e pêlo e tudo. 

Cansaço que atravessa a minha e todas as vidas. 

Minha alma está cansada da minha vida.

Flerte


Eu a vejo de longe. Vou me aproximando sutilmente, para não espantá-la. Chego mais perto e ela fica toda envaidecida do meu olhar. Ela me joga charme e beijos em pontas de dedos. Quando acho que ela já é minha ela foge apressada do meu abraço. 

Noite após noite a espero chegar. Ela finge não saber de mim, ela vai parar em dedos outros, ela se espreguiça em línguas alheias. Mas sou paciente, sei o que fazer para ela voltar. Espero. A espera trás uma dorzinha fina que sentida por longo tempo gera certa onda de energia que utilizamos em uma noite qualquer fazendo loucuras pelas ruas de cidades indiferentes e escuras.

Então numa bela noite ela me bate a porta. Ah, palavra querida, como te esperei... Elas entram pelos meus olhos e orelhas, rodopiam no meu estômago, gelam na minha cabeça, me consomem e saem vomitadas por dedos apressados em forma de letras, alinhadas em certo padrão, concebido por uma humanidade meio doente. 

Palavras, não só palavras: cores, sons, sensações, textura. Palavras vermelhas de raiva ou paixão.  Gemidas, sussurradas palavras; doloridas e prazerosas palavras. Palavras aveludadas ou cortantes. Palavras claras ou escuras cheias de chuvas e tristezas. Palavras que sempre querem dizer algo. Palavras pesadas que afundam no chão e não alcançam o ouvido. Palavras como lagartas, que demoram a chegar, ou como libélulas, que voam ligeiras para seus destinos incertos. 

Ah, o que seria de nós sem essa amante?

Mas ela, como tudo, se esgota. Elas cansam de nós e se vão.
Às vezes eu as vejo de longe, enquanto faço loucuras pelas ruas de cidades indiferentes e escuras. (Mas elas me são mudas.)



chaotic soul

Tarde da noite, bip de mensagem me desperta, o celular avisa que é impossível receber mensagem por excesso de uso da memória. Blasfemo. Decido apagar todas as mensagens que já deveriam ter sido apagadas há tempos. As dele! Sim. 

Apago todas. Um prazer dolorido. Assim consigo de uma vez evitar ter aquele número ao alcance. Na última mensagem, tremo. Decido. Mandarei uma última mensagem.
“Só hoje crio coragem para apagar teu número.”. Aperto o SEND. Feito. Apago rapidamente a mensagem antiga e a última enviada. Respiro. Acabou.

Saio, vivo, rio, tenho tudo, sou feliz!, sou triste, sou extremamente triste. Voltei à solidão.

Uma chamada não atendida. Apagado do telefone, não de mim. Era ele! Retorno. Ouço um alo abafado pelo vento forte. Respondo com um oi quase inaudível. “Quem fala?” A maldita voz arrogante! Desligo, sem chão. Já esquecida. Nem restos. 

O telefone toca novamente. Ignoro. Toca, toca, toca, toca, vibra, vibra, vibra. 
Atendo. 
Um “alô” dessa vez sonoro. 
Impossível esconder a emoção do meu “Oi” surdo.  “Ro, meu amor, por que não fala?”, ele diz. 
“Falar pra que? Tu nem sabia quem estava falando!”, “Como não sabia?! Estou num buggy no meio do nada, voltando pra casa, recebi tua mensagem, nem sei como o celular pegou!, mas parei, tentei ligar. Tu ligou em seguida... Eu, eu... Como você está?”, Respondo com um “Bem” embargado.
“Deixa eu te ligar quando chegar em casa?”, “Sim.”. “Um beijo!”.


Desligo. The Jesus and Mary Chain inunda a sala.

“I`m going to the darklands, to talk in rhyme with my chaotic soul...”


[Roza - 08/09/2010 - 00:46]