da liberdade

A liberdade é a possibilidade do isolamento.
És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento.
Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre.

Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo.
Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres.

Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.

A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem.

Por isso a morte enobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo absurdo.
É que ali está um liberto, embora o não quisesse ser.

Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade.
Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.

Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime.

Não me dói senão ter-me doído.

[Frag. 283 - O livro do desassossego - F. Pessoa]

mudaria a cidade... ou mudei eu?

Quem é que, escutando a palavra evocativa dos velhos, não reteve esta frase melancólica:
- Ah, meu tempo!.. No meu tempo, sim... a vida era doce e alegre... Não era como hoje...
E cada um de nós, ouvindo essas lamentações, volta-se para o seu próprio passado recente, e confirma, com sinceridade:
- Na verdade, tudo vai piorando. O caminho para trás era mais suave e a marcha mais sossegada. Os homens odiavam menos, e as mulheres amavam mais. A vida, dantes, era um grande e contínuo domingo de festa. Hoje, é uma ardente e nervosa segunda-feria de trabalho.
O mundo vem, na realidade, se tornando menos suportável dia a dia, de modo que todos nós, temos saudades de um tempo que passou, ou somos nós que mudamos, e, nessa mudança, vamos estranhando as coisas imutáveis que nos cercam? O tempo será como um rio, a cuja margem nos encontramos, e que desliza diante de nós arrastando barcos e detritos diferentes, ou somos nós que vamos rolando à superfície da corrente, espantando-nos cada dia com a modificação das paisagens da margem?

O mundo evoluiu, sem dúvida; e piorou, sem dúvida; mas piorou unicamente para nós, pois que a geração nova sente hoje o mesmo encanto que sentíamos ontem, e sentirá amanhã a mesma decepção que hoje nos enche o coração de sombra e saudades...
(H. de Campos)