Canja, solidão e infância


Quão solitária a vida me fez? Eu venho me perguntando há tanto tempo...

Companhia entusiasma, alegra e entorpece, enquanto a solidão me puxa para dentro de mim.

O quanto vale abrir mão de si para deixar outrem entrar em nossa vida? Afeição vale tanto assim? Luxúria? Ou é a solidão mais assustadora do que a maioria das pessoas tentam aparentar? Eu mesma já fingi tanto para mim e para o mundo, que não temia a solidão, quando na verdade estava apavorada.

Ocasionalmente, vale a pena nos rendermos à companha. Mas a solidão, a solidão acaricia, conforta. É quase como tomar uma canja quentinha num fim de gripe, enquanto nossa mãe fala da nossa infância. Invariavelmente canja-solidão-infância estão interligados na minha mente.

Sempre preferi brincar sozinha, sempre estudei sozinha, e, afinal, nunca tive muitos amigos. Mas isso nunca me incomodou, foi escolha minha. Eu sempre soube que se eu quisesse eu poderia fazer o oposto, mas era trabalhoso demais ter companhia, ter que explicar como minha complicada vida funcionava, ter que dividir minhas poucas alegrias e constantes tristezas com supostas amiguinhas de infância. Não.

Ao chegar à adolescencia eu tinha que comparar as bizarrices que me aconteciam com alguém mais. Aí encontrei meus primeiros amigos, com os quais consegui superar a estranheza da adolescência. Eu tinha 16, tinha acabado de descobrir que era livre, alugara minha primeira casa, encontrara seres iguais e estava ávida por experiências.

Bebidas, festas, risos, euforia.

Nós desafiávamos os costumes da pequena cidadezinha ficando todos trancados no apartamento de Romeo, fumando desesperadamente e questionando ideiais politicos, credos religiosos, músicas e qual o caminho mais rápido para a tal da felicidade. Mal sabíamos nós que enquanto fazíamos perguntas retóricas, a vida já trabalhava para nos afastar do caminho que escolhêramos.

Separações, rumos diferentes, amizades desfeitas, amizades refeitas, reencontros, canjas, solidão, muita solidão, desilusões, risos, dor. Tudo mudou. Mudou? Mudei? O mundo mudara realmente ou seria eu que no ciclo interminável da vida havia mudado meu modo de enxergar as coisas imutáveis que me cerca?

Sim, tudo mudara. Inclusive eu. A única coisa que permaneceu foi o gosto de canja-solidão-infância na boca.