do alimento do tempo



Vivemos acontecimentos únicos, inesquecíveis, deliciosos.
A primeira vez que pedalei sozinha, crédula de que meu pai ainda segurava a garupa, confiante de que ele não me deixaria cair. Uma leve desequilibrada me mostra que não há mais mãos fortes, calejadas, me sustentando, mas ao invés de medo o que senti foi um orgulho avassalador por saber que eu já estava pronta pra seguir só. Saí pedalando feita louca pelo calçamento da pousada Ponta Porã, em Camocim, o mundo à minha frente.
O suspiro de alívio quando, aos 15, decidi sair de casa. O peito baixando ao deixar sair toda a angústia que o “será que vou conseguir” causava.
As conversas loucas com amigos. Dançar em cima de mesa do bar mais chic da cidade com o melhor amigo.
Olhares furtivos, prelúdio de grandes paixões. Os mesmos olhares furtivos, dessa vez quando a paixão acabava...
Perdemos-nos nessas recordações, o nosso semblante se enlevando a medida que as lembranças vêm. Então nos damos conta que falta algo... Aquilo não foi tudo o que vivi, o que senti! O enlevo se esvai. Vem a frustração do não lembrar uma voz, uma imagem, uma sensação. Passagens de vida devoradas pelo tempo.
Passamos a ver o tempo com T maiúsculo, um ser que se alimenta dos nossos sonhos, nossas experiências mais belas. Quanto mais vivemos mais ele se alimenta, mais forte fica, mais rápido ele passa por nós na ânsia de nos fazer viver mais e mais coisas, mais sabores diferentes, pedaços de vida para ele se deliciar.
Finalmente o que nos resta é nada. Não nos lembramos de nada, estamos velhos, famintos do que nos foi tirado, tentando arduamente recordar dessa ou daquela experiência. As pessoas perdem a paciência, os netos desviam-se do quarto que nos enclausura.
O tempo, este não está mais interessado em nós: árvores murchas, outrora rica em alimentos, hoje ele se desvia de nós, desliza das mãos lentamente, como se nos castigasse por não termos mais o que ofertar.
E como se esta meia-vida não fosse punição o suficiente, ele não nos leva tudo, ah não!, ele nos deixa fiapos de lembranças para sabermos que em algum momento fizemos corações pararem de bater com um único olhar, respirações falharem com um só toque, mas não lembramos do essencial: dos olhos amados nos olhando de volta com adoração, do suspiro que rompia os lábios quando a carícia chegava ao local tão esperado. Não só não lembramos plenamente dessas delicias, mas temos a certeza que não poderemos vivê-la novamente, pois o nosso tempo, finalmente, acabou.
Roza, 14 de Janeiro de 2010

2 comentários:

Théo, desarmado por um sorriso.. disse...

Eu tenho medo do tempo, para mim ele sempre foi um algoz nos momentos de dor, sempre zombando das horas em que a angústia e o não saber imperam em minha vida. Todos os dias eu acordo com uma chuva de angústias sobre minha cabeça, falta tempo para resolver meus problemas, mas sobra para vivê-los. Eu cheguei atrasado à prova de matemática, e não pude entrar na sala, meu time poderia ter virado o jogo, mas o juiz apitou um fim com pulmões de quem nunca fumara, eu quis muito beijar Taizinha no dia em que fomos ao parque fingindo ser só para andar na roda-gigante, mas ela precisou ir embora antes que minha coragem chegasse. O tempo escapa de mim com ares de quem tem prazer em causar dor, cai pelo chão a todo o instante, escorre entre nós fazendo com que nossa memória se esqueça do que nunca deveria ser passado. Eu tenho medo do tempo...


(...)é um tempo de cheiro de chuva esse de agora, é um gosto de tristeza na boca, e o coração pedindo um pouco mais de ontem, de muitos ontens atrás, e o relógio mentindo a mim as horas, fingindo ser pouco o tempo que se desperdiça com o que não vai ficar pra sempre, porque o pra sempre, é só uma questão de boa memória(...)

Lucke disse...

Olha só que coisa mais boa: estava eu procurando o álbum do entertainment na internet pra você, e descobri um projeto da menina, por acaso! Poxa, é bonito demais ^^

Sempre que quiser algum álbum específico, me diga que eu procuro pra você. Tenho facilidade de achar tudo ou quase tudo que procuro. E quando estiver ouvindo algo diferente e bom por aí, me diga também! É sempre prazeroso conhecer coisas novas.

Tenha um bom fim de semana.Um abraço h.h